
Luciano Medrado¹
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar minhas elaborações frente ao proposto em sala de aula por meio das mais diversas iniciativas teóricas sobre a compreensão da disciplina Educação Infantil. Embasado pela orientação estabelecida em sala de aula, por meio de teorias que elencaram o programa curricular, me senti na oportunidade provocado a elaborar por meio da intervenção pedagógica, pôr em prática o aprendido teoricamente na Creche Senhor do Bonfim, na cidade de Jequié – BA, [no bairro Caixa D’água região noroeste da cidade, fundada em 17 de maio de 1998 pela Paróquia santo Antonio de Pádua, tendo como diretora a Religiosa franciscana, Ir. Maria Noélia e a coordenadora pedagógica Mirian Pereira Cabral, pós-graduada em Planejamento Educacional] na busca da compreensão da construção do Ser, enquanto ente referente numa perspectiva bio-pisiquica-cultural na relação constante com o outro como fator importante do processo de construções indiossincráticas na singularidade de cada sujeito na promoção de sua emancipação e autonomia gestada na participação ativa e confrontante com o meio, onde o mesmo muito mais do que se adaptar, reconstroem com sua interação, para que sejam capazes de pensar-sentir e agir diante do real configurado como plástico e flexível, constantemente transformado, seguindo uma abordagem biossintética de Humberto Maturana, biólogo chileno.
PALAVRAS-CHAVES: Educação, desenvolvimento, relação, confronto, alteridade e autonomia.
Por tudo o que li, ouvi e aprendi ao longo deste semestre (2007.1) com a disciplina educação Infantil, ministrada pela docente Marilete Calegari Cardoso, no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, campus de Jequié-BA, no quinto semestre do mesmo curso, onde é trabalhada esta disciplina de forma específica pareceu-me inconfundível repensar uma nova prática educativa onde se pensasse o aluno como centro de todo o processo educativo abarcando-o em sua completude bio-psiquica-social- cultural, ou seja, um ser de relações complexas que se interpenetram, se auto regulam, definindo a sua constituição e autonomia (não significando isolamento), numa dança circular emancipadora, fazendo do sujeito da ação um ser aberto, responsável, auto-poiético e harmonicamente integrado para seguir as etapas evolutivas própria de sua natureza com harmonia e equilíbrio. Quando afirmamos que, pela autopoiése, é o próprio sistema que determina a ação não estamos afirmando que este agir seja isolado de outras intervenientes. Podemos afirmar que neste milênio o que se impõe é a necessidade de mudança, mudança de visão de mundo, de perspectiva diante dos novos desafios que se instalam em todas as áreas do saber.
O presente artigo pretende contemplar estas premissas recorrendo a uma elaboração cognoscitiva a partir da abordagem de Humberto Maturana como referencial teórico para esclarecer e fundamentar a intervenção pedagógica na Creche Senhor do Bonfim, na cidade de Jequié-BA, entre os dias 26 de novembro de 2007 a 03 de dezembro do mesmo ano corrente.
Não me detive em uma classe específica, porque a minha intenção era compreender a inter-relação pessoal das crianças consigo mesmas, com o outro e com os outros “seus iguais” em alteridade contínua, na dinâmica de suas agrupações, nos seus movimentos em torno do brincar neste espaço “recreativo”, nas trocas de experiências entre as diversas faixas etárias que compunham o espaço, nos confrontos e cooperações mútuas, ou seja, nosso intento era observar essa complexidade na creche como um todo no momento do intervalo conhecido como “recreio”.
A técnica e os novos equipamentos de “quase tudo” se colocam ao humano com o objetivo explícito e contundente de avançar, cada vez mais, na direção de um progresso que tem se revelado incapaz de se sustentar. Observei que a ciência trouxe muitos benefícios, resolvendo enigmas e mistérios da condição humana, ampliando a vida e dissipando a dor. Os avanços da tecnologia e da industrialização permitiram a satisfação das “ necessidades” humana em todos os sentidos.
Hoje, o que vemos de forma perplexa são os rumos tomados, cujas conseqüências não foram avaliadas pelos indivíduos, que perderam a noção de equilíbrio. A corrida pelo progresso despertou a concorrência e a competição, gerando egoísmo, individualismo, solidão, desespero e dor.
Humberto Maturana (2001)[2], biólogo chileno, mapeando uma compreensão dos seres vivos como “entes dinâmicos autônomos em contínua transformação em coerência com suas circunstâncias de vida”, pautando-se por uma noção da biologia em que as emoções possuem um papel fundamental no desenvolvimento do sistema biótico, acentuou o papel delas, no viver humano descobrindo o operar do sistema na construção do conhecimento como ação biológica, onde a emoção é o grande referencial do agir humano. Inaugura a idéia de ser vivo como um sistema de organização circular nos quais o que se conserva é a circularidade, a retroalimentação, o eterno retorno chamado por Nietzsche, num grande e interminável processo de autopoiése. Assim, pensar o conhecimento a partir da autopoiése só é possível se entendermos cada vivente como sistema fechado, auto organizado e auto-organizável, o que em nada implica afirmar que este ser não é aberto ao novo tendo um cérebro flexível capaz de se expandir e abarcar o novo. Não se trata de adaptação ao meio, pode incluir, em algum momento, a adaptação, mas vai além dela. Para Maturana isso só é possível porque cada ser é em relação. O que determina, a organização do vivo é sua própria autopoiése, desencadeando uma relação que se estabelece entre vivo-meio-vivo. Neste processo singular o organismo se autogere, mas só o faz como já citamos, na relação com outros organismos.
Portanto não é possível determinar quais as ações subseqüentes num processo de autopoiése, o que fica evidente é a compreensão a partir da análise de Maturana que o vivo age e re-age diante das circunstâncias, já que vai organizando seu conhecer a partir do próprio ato de viver. Vejamos o que Maturana (2001) diz:
“Viver e conhecer são mecanismos vitais. Conhecemos porque somos seres vivos e isto é parte desta condição. Conhecer é condição de vida na manutenção da interação ou acoplamentos integrativos com os outros indivíduos e com o meio”
Nessa relação criativa, viver-conhecer, meio-sistema, é que emerge o social. Para nós, apoiados na concepção de Maturana, o social é entendido como domínio de condutas relacionais fundadas na emoção originária da vida que é o amor. Para Maturana (2001) : “a emoção fundamental que torna possível a história da hominização é o amor”. Mas ao falar de emoção o autor não se refere ao que usualmente tratamos como sentimento. Neste caso específico, emoção “são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos”. (Maturana, 2001) Assim, a emoção fundante do social, aqui compreendido como amor, é o elemento estrutural da fisiologia humana, porque:
“O amor é a emoção que constitui o domínio das condutas em que se dá a operacionalidade da aceitação do outro como legítimo outro na convivência, e é este modo de convivência que conotamos quando falamos do social” (Maturana, 2001).
Pensar por esta nova e inédita via, onde se vê a extinção de pertencimento, ajuda e cooperação como valores sociais, a convivência, que é este espaço/tempo das relações dos sistemas, é lugar de perene criação/recriação da vida, na medida em que se constitui como social na perspectiva acima mencionada. Parte deste princípio a nossa objeção situando-nos no espaço da creche Senhor do Bonfim como um espaço onde podemos pensar o processo educativo na construção do sujeito autônomo mas numa perspectiva de autonomia relacionada, no sentido de que cada criança que envolve o contexto da creche é tomada como um legítimo outro no conviver.
Assim, os espaços educativos constituem-se em fenômenos sociais que manifestam, com fundamentos nas emoções, os pensamentos, os conceitos e os objetivos dos grupos sociais, num processo histórico e relacional de cooperações, criando realidades onde nesta interação constante, recria os sujeitos delas participante, mudando totalmente a configuração antiga da creche como um depósito de crianças, sem ações pedagógicas específicas, desconfigurando a creche como um espaço de “cuidado” como local onde são deixadas para que as suas mães trabalhem.
Acreditando na perspectiva do humano como integrado com seus pares, biodiversificados, a concepção educacional que podemos apreender da abordagem de Maturana, que delineamos neste exposto onde até aqui caminhamos com você, busca resgatar a vida como centro de todos os processos sistêmicos. Do ser humano enquanto sistema que se expande na cultura e na convivência, desafia-nos a buscar uma educação que resgate a bio-centralidade, ou seja, o lugar da vida e da amorosidade nos nossos relacionamentos e ações cotidianas, seja no espaço escolar ou extra-escolar. Vista e concebida desta forma a educação é uma prática educativa cuja finalidade vai além da busca mercadológica como objetivo educacional para a melhor qualidade do conviver humano, da qual o trabalho é decorrência, criação e não fim. Assegurar este objetivo é o grande desafio que se descortina a todos os educadores deste novo tempo que se anuncia, tempo pragmático, secularizado, competitivo, egoísta em sua individualidade isoladora.
Se entendermos a importância do processo relacional na ação educativa, se a formação do outro se constitui como objetivo da educação, então é preciso repensar as interações em que o educando possa confrontar-se como autônomo nas suas ações relacionais e construa sua autoconsciência que se exercita na relação.
Voltando o nosso olhar para a teoria piagetiana, observaremos que a principal meta educacional é o desenvolvimento de toda personalidade da criança com ênfase especial na autonomia intelectual e moral. Estas implicações da teoria piagetiana são mais amplas no campo sócio-emocional do que no campo cognitivo.
No domínio sócio-emocional salientam-se três princípios de ensino: encorajar a criança a tornar-se cada vez mais autônoma; encorajar a criança interagir com outras crianças na resolução dos seus conflitos; encorajar a criança a ser independente e curiosa, a usar a iniciativa própria no objetivo de suas curiosidades, ter confiança na habilidade de formar idéia própria das coisas, a exprimir suas idéias com convicção e lutar construtivamente com medos e angústias e não se desencorajar facilmente.
Assim, o educar se constitui no processo em que a criança convive com o outro e ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o outro no espaço de convivências. A nossa persistência na centralidade do conviver no processo educativo reside no fato de este conviver não constituir-se simplesmente em estado, ou seja, no sentido de ter dois ou mais sujeitos intocáveis e refratários um ao lado do outro. Não. Trata-se de uma relação, no sentido de um ser tocar o outro ser nesse contato. Porque há relação há, por conseguinte, modificação, dos sujeitos envolvidos nela. Por isso a escolha não de uma classe particular na interação professor- aluno num espaço reduzido, mas a busca de tais construções num ambiente macro que é o momento do recreio escolar onde crianças de diferentes faixas etárias convivem entre si seja brincando, correndo, conversando ou partilhando o seu lanche.
Nesse contexto, pensamos a educação e aqueles que a fazem num movimento conjunto, em busca de respostas e saídas para os problemas, no sentido de valorizar a vida em todas as suas dimensões.
David Boadella[3], no seu livro Correntes da Vida, diz que nós somos, ao mesmo tempo, sentimento, movimento e pensamento, qualidades ou facetas constitutivas de cada um de nós, que se vinculam às camadas embriológicas que serviram de fonte para a constituição do nosso corpo --- respectivamente, endoderma (vísceras), mesoderma (esqueleto e músculos) e ectoderma (sistema nervoso). Nenhuma dessas qualidades pode ser descuidada, sob pena de estarmos descuidando do ser humano, com o qual trabalhamos, como nosso educando. O equilíbrio entre sentir, pensar e agir é fundamental para estarmos na vida e com os outros da melhor forma possível. Sentir, pensar e agir em equilíbrio tem a ver com a conduta do ser humano na vida, com a conduta ética, que tem sua base no agir com adequação na relação com o outro, tendo por suporte nosso sentir e nosso pensar, ao mesmo tempo.
Cipriano Luckesi em artigo publicado em seu site intitulado “Um texto para ser meditado - Ainda acerca da afetividade, psicomotricidade e cognição na prática educativa” [4]afirma: “Os pilares da educação para o século XXI, sistematizados no Relatório, da Unesco, para a educação mundial[5] são: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Importa que esses objetivos sejam praticados como um todo no cotidiano educativo. Nenhum deles é menor ou maior que outro, porém o aprender a ser engloba todos os outros. É assim que se posiciona o próprio relatório. Esse objetivo sustenta totalmente os outros três, que nada mais são do que explicitação deste. Não há como ser, desprezando um ou outro dos objetivos propostos: o aprender a conhecer, o aprender a fazer ou o aprender a viver juntos. Eles expressam as facetas do ser humano e assim devem ser cuidados, no seu conjunto.
REFERÊNCIA:
BOADELLA, David Correntes da Vida: uma Introdução à Biossíntese, tradução e publicação da Summus Editorial, São Paulo.
DELORS, Jacques, Educação: um tesouro a descobrir --- Relatório para a Unesco da Comissão Internacional de Educação do século XXI, tradução e publicação da Cortez Editora, São Paulo.
MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução Cristina Magro e Vitor Paredes. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2001.
http://www.luckesi.com.br/
[1] Discente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, Campus de Jequié-Ba.
Trabalho apresentado a professora Marilete Calegari Cardoso da disciplina Educação Infantil como requisito para fins avaliativos.
[2] MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização e tradução Cristina Magro e Vitor Paredes. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2001.
[3] Psicoterapeuta inglês, hoje radicado em Heiden, na Suíça, estudioso da Biossíntese. David Boadella, Correntes da Vida: uma Introdução à Biossíntese, tradução e publicação da Summus Editorial, São Paulo.
[4] Artigo de Cipriano Luckesi, professor do Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação (FACED), Universidade Federal da Bahia (UFBA), disponível em: http://www.luckesi.com.br/ , acessado em 21 de janeiro de 2008.
[5] Jacques Delors, Educação: um tesouro a descobrir --- Relatório para a Unesco da Comissão Internacional de Educação do século XXI, tradução e publicação da Cortez Editora, São Paulo.
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