O DIREITO HUMANO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS ENCARCERADAS.



Estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas no mundo estão privadas de sua liberdade. Estados Unidos, China, Rússia e Brasil são os países com as maiores populações encarceradas do mundo. O problema da superlotação das unidades prisionais é uma realidade em todo planeta, ganhando dimensões extremamente dramáticas na América Central e na África, continentes nos quais são encontradas unidades prisionais com até dez vezes mais presos do que a capacidade.

As pessoas encarceradas, assim como todos os demais seres humanos, têm o direito humano à educação. Esse direito está previsto nas normas internacionais e na legislação nacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito humano à educação em seu artigo 26 e estabelece que o objetivo dele é o pleno desenvolvimento da pessoa humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos.

Dessa forma, entende-se que os direitos humanos são universais (para todos e todas), interdependentes (todos os direitos humanos estão relacionados entre si e nenhum tem mais importância que outro), indivisíveis (não podem ser fracionados) e exigíveis frente ao Estado em termos jurídicos e políticos.

É por esse motivo que defende-se a educação como um direito humano inerente ao processo de humanização de homens e mulheres, que deve ser percebida na concepção de universalidade e de não discriminação. A educação é um direito humano intrínseco e um meio indispensável para realização de outros direitos humanos.

O documento internacional “Regras Mínimas para o tratamento de prisioneiros”, aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU em 1957, prevê o acesso à educação de pessoas encarceradas. O documento afirma que “devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos, incluindo instrução religiosa. A educação de analfabetos e jovens reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua formação. Devem ser proporcionadas atividades de recreio e culturais em todos os estabelecimentos penitenciários em benefício da saúde mental e física”.

A educação de pessoas encarceradas no sistema prisional integra a chamada educação de jovens e adultos (EJA). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, define a educação de jovens e adultos como aquela destinada a pessoas “que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. A LDB regulamenta o direito previsto na Constituição brasileira em seu capítulo II, seção 1, artigo 208, inciso I, de que todos, cidadãos e cidadãs têm o direito ao “Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria”.

O Plano Nacional de Educação (PNE), lei aprovada pelo Congresso em 2001, estabelece que até 2011 o Brasil deve “implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim como de formação profissional.

A Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, prevê a educação no sistema prisional no capítulo “Da Assistência”, seção V, dos artigos 17 a 21. O artigo 17 estabelece que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. O artigo 18 determina que o ensino de primeiro grau (ensino fundamental) é obrigatório e integrado ao sistema escolar da unidade federativa. O artigo 19 define que o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico e que as mulheres terão educação profissional adequado a sua condição. O artigo 20 prevê a possibilidade da realização de convênios com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Três são os modelos educativos que predominam no atendimento educacional nas prisões da América Latina, segundo o Relator Especial da ONU sobre Educação, o costariquenho Vernor Muñoz. O primeiro deles toma a educação como parte de um tratamento terapêutico, visando a cura das pessoas encarceradas. O segundo entende a educação em sua função moral “destinada a corrigir pessoas intrinsecamente imorais”, e o terceiro assume um caráter mais oportunista ao restringir a educação nas prisões às necessidades do mercado de trabalho. Muñoz alerta para o predomínio de um caráter utilitarista da educação nas prisões descomprometido com a afirmação da educação como direito humano das pessoas encarceradas.

Reconhecendo que a educação é um dos requisitos para a reinserção social e contribuição ao desenvolvimento real e sustentável da sociedade que a põe em prática, o pesquisador argentino conclui: “Em definitivo, a educação é um direito humano e não uma ação terapêutica ou uma variável a mais de um tratamento”. Um direito que permite às pessoas encarceradas fazerem escolhas e desenvolverem trajetórias educativas positivas, concretizando o direito humano a um projeto de vida. A educação é um direito chave que possibilita conhecer e exercer outros direitos, facilitando, inclusive, a “se defender da vida na prisão” (Scarfó, 2008).

Entretanto, Informações e análises de diversas fontes apontam a profunda precariedade do atendimento educacional no sistema prisional brasileiro que enfrenta graves problemas de acesso e de qualidade marcados pela falta de profissionais de educação, projeto pedagógico, infra-estrutura, formação continuada, materiais didáticos e de apoio; descontinuidade; resistências de agentes e direções de unidades prisionais.

Sendo assim, como é possível ampliar de forma significativa o atendimento educacional, garantindo o direito humano à educação para todos aqueles e aquelas que desejam estudar? E ao não garantir o direito humano à educação para a gigantesca maioria, qual é a concepção de prisão que está sendo reafirmada? É o lugar somente do castigo? Isso basta para a sociedade brasileira do século XXI?

Assim como em outros países, grande parte da sociedade brasileira não vê as pessoas encarceradas como detentoras de direitos. Para a maioria, os presos e as presas e tudo o que se refere ao sistema prisional fazem parte de um mundo que se quer muito longe. A prisão é vista como “uma jaula de leões”, um lugar invisível que se quer esquecer. Ao condenar o sistema prisional ao isolamento, e os presos e as presas a quase uma morte social, a sociedade permite que cada vez mais ele se torne um espaço marcado por profundas perversidades expressas nas condições indignas e degradantes da maioria das prisões do Brasil. É necessário ter a coragem de mudar esse paradigma para o bem não só das pessoas encarceradas, mas de toda a sociedade brasileira. É fundamental que a sociedade se abra para seus cárceres!

REFERÊNCIAS

CARRREIRA, Denise. Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação: Educação nas Prisões Brasileiras / Denise Carreira e Suelaine Carneiro - São
Paulo: Plataforma DhESCA Brasil, 2009.
SCARFÓ, Francisco José. Los Fines de la Educación Básica en Cárceles en la Provincia de Buenos Aires/; el derecho humano a la educación. La Plata: Universitaria de La plata, 2008.
--------------------------------La Educación Pública en los Estabelecimientos Penitenciarios em Latinoamérica: garantia de una igualdad sustantiva. In Educación en Prisiones em Latinoamérica. UNESCO: Brasilia, 2008.
Ministério da Educação – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=290&Itemid=816

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