BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, Coleção primeiros passos n°20,2006.

Por Luciano Medrado.

Carlos Rodrigues Brandão, é psicólogo e mestre em Antropologia Social e doutor em Ciências Sociais. É professor livre-docente pela Unicamp, onde também leciona e na Universidade Federal de Uberlândia. Autor de mais de 40 livros nas áreas de Educação, Antropologia e Literatura. Em sua obra “O que é educação”, editado pela Brasiliense, livro que nos propomos fazer estrada, nos levará a uma perfeita e sustentada compreensão do ato de educar ao longo dos períodos históricos, a começar quando ainda possuía um caráter assistemático até adquirir sua sistematização.

Para o autor, normalmente a educação é pensada em domínios restritos como a Universidade, a alfabetização, o 2º grau e a supervisão escolar. Na maioria das vezes, ela não é analisada em seu cotidiano, a cultura. A educação propriamente dita é um domínio de idéias e práticas regidas pelas diferenças entre as diversas realidades sociais.
Mais que pensar em domínios restritos é necessário pensar no modo de ser da educação popular e nas várias formas e situações que ela possui hoje em dia: a educação na comunidade primitiva, no ensino público, nas classes populares e na sociedade igualitária.
A educação pode ser tanto uma forma de opressão quanto uma forma de libertação. Isto depende apenas de como ela é pensada e praticada.

Com o autor percorreremos os caminhos da educação ou educações, visitando a aldeia educacional, o surgimento da escola e dos pedagogos, os modelos de educação que foram construídos ao longo do processo histórico e cultural do fazer-se homem por meio da socialização e suas implicações com a estrutura estatal classista, até a reta final, o fim de um recomeço sempre necessário para não nos entorpecermos pelo desvalor lançado a tapas nos profissionais da educação: A esperança na educação.

Para o autor, ninguém escapa da educação, esta se dá em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos outros modos “todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.” (2006, pg. 7)

Seguindo esta linha de raciocínio do ato de educar é verificável que o autor salienta para nós que não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece. O ensino escolar não é a única prática e o professor profissional não é o único praticante. Ele situa a educação como um processo difuso em todos os mundos sociais, podendo existir livre e, entre todos, ou como uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Émile Durkheim explica: “sob regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do clã. Não há mestres determinados, nem inspetores especiais para a formação da juventude: esses papéis são desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores” (2006, pg.18). A este processo o autor vai chamar de endoculturação, ou seja, o aprendizado que acontece dentro da comunidade por meio das vivências próprias e comuns.

“A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a explicar – às vezes a ocultar, às vezes a incultar – de geração em geração, a necessidade da existência de sua origem.” (2006, pg 10)

A socialização realiza em sua esfera as necessidades e projetos da sociedade, e realiza, em cada um de seus membros, grande parte daquilo que eles precisam para serem reconhecidos como “seus” e para existirem dentro dela.

Carlos Rodrigues Brandão é enfático em afirmar que a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar “guerreiros ou burocratas”. Ela ajuda a pensar tipos de homens, ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber que os constitui e legitima. Acompanhando o seu raciocínio desvelamos que o professor pensa que age sozinho livre e em nome de todos, o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ela pode estar servindo a quem o constitui professor, “a fim de usá-lo, e ao trabalho, para os usos escuros que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas idéias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita”(2006, pg. 11). Por conseguinte conclui afirmando que esta é a sua fraqueza.

Com o trabalho e a consciência o homem transforma parte da natureza em invenções e com o tempo aprende a realizar trocas do que aprendeu, tornando este ato num processo contínuo de ensino e aprendizagem. Estas trocas podem ser os símbolos que representam a cultura criada, as intenções e os padrões das relações de poder no interior de sua cultura. Assim a educação continua no homem um trabalho de constante “feitura”, fazendo-o evoluir até torná-lo mais humano, quando isto é capaz.

Este mesmo homem alcançando um estágio mais complexo de organização social e cultural enfrenta a divisão do trabalho, e portanto, do poder, tornando um problema as formas de transmissão do saber acumulado de geração a geração.

O trabalho produz os bens e o poder reproduz a ordem gerando hierarquias sociais, o saber também começa a ser distribuído desigualmente produzindo a diferença. Então a sociedade separa e opõe: “o que faz, o que se sabe com o que se faz e o que se faz com o que se sabe. Então é quando, entre outras categorias de especialidades sociais, aparecem as de saber e de ensinar a saber. Este é o começo do momento em que a educação vira o ensino, que inventa a pedagogia, reduz a aldeia à escola e transforma “todos” no educador”. (2006, pg. 27)

Quando pensamos na Grécia verifica-se que as diferenças de saber de classe dos educandos produziram diferenças curiosas entre os tipos de educadores. De um lado, desprezíveis mestres-escola e artesãos –professores; de outro, escravos pedagogos e educadores nobres, ou de nobres. De um lado, a prática de instruir para o trabalho; de outro, a de educar para a vida e o poder que determina a vida social.

A educação que antes era coletiva, agora é uma atividade voluntária ou um direito de berço, imposto pela polis àquele que é livre, para modelar não um homem abstrato, mas um cidadão maduro a serviço da comunidade.

Ao longo de seu processo de construção, com o tempo, a educação clássica deixa de ser um assunto privado, posse e questão da comunidade dos nobres dirigentes, e passa a ser questão de Estado, pública. Aristóteles exige do Imperador que regulem direitos e controlem o exercício da educação.

Mas de fato o que é mesmo educação? Recorremos as mais diversas definições que Carlos Rodrigues Brandão sugere para compreendermos a etimologia ou conceito de educação. Vejamos:

Ação e efeito de educar, de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais da criança e, em geral, do ser humano; disciplinamento, instrução, ensino” (Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Caudas Aulete).

Segundo a lei n°692/71 da LDB no seu 1° artigo encontra-se: O ensino de 1° e 2° graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania.

Mas a contradição entre o que está registrado na Lei e o que acontece no cotidiano escolar das diversas regiões do nosso país contradiz e muito com objetivo pretendido pela Lei. Tendo em vista quem a controla, muitas vezes definir e legislar a educação implica ocultar a parcialidade de interesses de uma grande minoria que servem a classes sociais determinadas, fazendo com que a educação na prática deixe de ser para todos, como um dever da Nação a serviço dos brasileiros. Aqui entra a questão: a que e a quem ela [a educação] serve?

Durkheim, sociólogo francês, define a educação como uma prática social cuja origem e destino são a sociedade e a cultura.

“É falso imaginar uma educação que não parta da vida real: vida tal como existe e do homem tal como ele é. É falso pretender que a educação trabalhe o corpo e a inteligência de sujeitos soltos, desancorados de seu contexto social na cabeça do filósofo e do educador, e que os aperfeiçoe para “si próprios”, desenvolvendo neles o saber de valores e qualidades humanas tão idealmente universais que apenas existem como imaginação em toda parte e não existem como realidade, como vida concreta, como trabalho produtivo, como compromisso, como relações sociais) em parte alguma. O que existe de fato são exigências sociais de formação de tipos concretos de pessoas na e para a sociedade. São, portanto, modos próprios de educar - por isso, diferentes de uma cultura para outra - necessários à vida e à reprodução da ordem de cada tipo de sociedade, em cada momento de sua história”. (2006, pg. 70-71)

Segundo o autor o que existe na prática são de fato exigências sociais para a formação de tipos de pessoas na e para a sociedade. Modos próprios de educar por isso diferentes em cada cultura, reproduzindo tipos próprios de sujeitos sociais.

Por fim tem-se a esperança que a educação seja mesmo a preparação da criança para uma civilização em mudança, isenta de todo dogmatismo, capacitando a pessoa a elevar-se acima da enxurrada dos acontecimentos, ao invés de ser arrastados por eles.

Acreditamos numa educação que parta da experiência pessoal, quanto da vida social, traduzida na participação efetiva e responsável de cada sujeito envolvido neste processo.

Durkheim sociólogo francês definiu a educação como uma prática social cuja origem e destino são a sociedade e a cultura. É falso imaginar uma educação que não parta da vida real: d ávida tal como existe e do homem tal como ele é. É falso pretender que a educação trabalhe o corpo e a inteligência de sujeitos soltos, desancorados de seu contexto social na cabeça do filósofo e do educador, e que os aperfeiçoe para “si próprios”, desenvolvendo neles o saber de valores e qualidades humanas tão idealmente universais que apenas existem como imaginação em toda parte e não existem como realidade, como vida concreta, como trabalho produtivo, como compromisso, como relações sociais) em parte alguma.

O que existe de fato são exigências sociais de formação de tipos concretos de pessoas na e para a sociedade. São, portanto, modos próprios de educar - por isso, diferentes de uma cultura para outra - necessários à vida e à reprodução da ordem de cada tipo de sociedade, em cada momento de sua história.

Mas não perdemos a esperança de que a educação é de fato a preparação da criança para uma civilização em constante e rápida mudança, isenta de todo dogmatismo, que capacite a pessoa a elevar-se acima da enxurrada dos acontecimentos, ao invés de arrastar-se por eles. Uma educação que parta da experiência pessoal, quanto da vida social, traduzida pela participação efetiva e responsável de cada sujeito envolvido no processo educacional.

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