
"Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos discípulos: 'Passemos para a outra margem!' Eles despediram as multidões e levaram Jesus, do jeito como estava, consigo no barco. Veio então uma ventania tão forte... "(Mc 35-36)
Este texto da Sagrada Escritura, é muito conhecido por nós, ele é o famoso trecho onde Jesus acalma o mar bravio.
Estamos mergulhados de tal forma em uma temporalidade e espacialidade tão efêmera, que facilmente nos deixamos ser sacudidos pelas intempéries da vida porque não damos conta de viver o momento presente, o hoje de cada dia, como uma realidade fugídia, que escapa e não volta mais.
Neste texto quero refletir junto contigo um pouco sobre a vida, ventanias, barco, tempestades que agitam a nossa existência fazendo com que ela se torne muitas vezes revolta, agitada.
Quero partilhar com vc um texto muito bonito que fala disso tudo, ele é um texto de Vilmar Berna, escritor de Porto Alegre, cujo título do livro, editado pela Paulos é o mesmo do título deste texto. Vamos caminhar juntos com ele e no que convier farei as minhas adaptações, dando ao texto um pouquinho do meu rosto. Por isso desde já, peço licença.
A construção de um navio parece com a formação das pessoas. Durante a "gestação" o casco é construído, até que somos lançados ao mar. A maior parte de um navio é colocada depois, como acontece com a gente.
Camarotes, porões, motores etc; tudo acrescentado durante a infância e adolescência, [A Psicologia nos ensina que é a partir dos 6 anos de idade que a criança vai formando a sua personalidade], até o navio ficar pronto para a primeira viagem. Um navio fica pronto quando sai do estaleiro, mas com a gente é diferente - este é o desafio de cada um - , pois crescemos todo dia e nunca ficamos prontos, já dizia enfaticamente Paulo Freire:"O ser humano é um inconcluso!" É o único ser vivo que precisa de cuidado e demora em seus aprendizados.Apesar disso é preciso partir...
Mas nem todos têm a coragem de ir e continuam atracados ao cais, julgando-se incapazes de navegar sozinhos, são pessoas ainda presas a sua insegurança, a sua imaturidade e dependência, ao seu comodismo de estar enfiada no seu nincho familiar, recebendo sempre proteção e por fim se tornam medrozas em aventurar-se no grande desafio que é viver.
Algumas pessoas são obrigadas a "zarpar" já que os encargos da segurança do porto tornam-se pesados demais e, às vezes, perdem um tempo precioso da viagem revoltadas e lamentando-se por tudo isso...
Mas nem todo mundo é assim...
Alguns, mal o dia amanhece, já partiram. São pessoas que tem pressa, querem conquistar mares nunca antes navegados, correm atrás dos seus objetivos. Desde cedo sabem o que querem e têm pressa de viver, são pessoas que conquistaram uma desenvoltura particular frente a vida e por isso são decididas, não são manipuladas pelas intimidações do real, são resolutas. Quando já se sabe o que se quer não se prendem a joguetes de pessoas que venham por ventura intimidá-las.
Triste é ver uma pessoa podada no seu direito de liberdade e por isso fica subjulgada a condições e realidades existenciais que minimizam o direito de serem autênticas e por isso se submetem a tantas experiências de convivialidade que desgraça e inferioriza a vida.
Outros navios também saem logo que podem, mas ficam dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar nenhum, não que os velejantes estejam perdidos, muitas vezes o que acontece é falta de orientação. Se eu não sei para onde quero ir, qualquer lugar me levará a lugar nenhum, então, me canço da viagem e as vezes até desisto.
Os maiores desperdiçadores de seus próprios recursos são aqueles que não sabem o que querem, são os indecisos e infantilizados, aqueles que tem medo de arriscar e tomar decisões. E decidir para mim é sempre buscar escolhas certas, mas que podem dar erradas. Mas o erro também é pedagógico, ele deve ser visto como uma possibilidade de reavaliar a escolha feita e perceber onde não deu certo e mudar de direção, de estratégia, de caminho, de namorado, de esposo ou sei lá que "porra" de rota foi a escolhida. Mas tem gente que pára na inércia de seus erros. Se deixam idiotizar e emburrecer pelos "fracassos" e o pior é que, quando a gente não sabe direito o que espera do rumo que está tomando ou nem se tem um rumo, não pode corrigir a rota se estiver no caminho errado.
Lembra do texto de Marcos citado acima, pois então, não sei se vc concorda comigo, mas também não precisa concordar, cada um é livre e tem o direito de pensar como quiser, por isso temos inteligência, se é que a usamos. Em Eclesiástico 17, 5 lê-se: "Concedeu aos humanos [Deus] discernimento, língua, olhos, ouvidos e um coração para pensar; enche-os de inteligência e instrução". Bom mais aqui vai a minha proposta de reflexão: Nós somos os maiores responsáveis pelas tempestades que não conseguimos evitar, por muitas razõs dentre elas a nossa inércia frente a vida, os nossos temores e frustrações que ficam nos porões do nosso barco, continuando a nos condicionar em desistir de enfrentá-los.
Já outras pessoas deixam de navegar milhares de milhas para se conformarem com umas poucas centenas, porque tem medo de atrair ventos contrários. São pessoas que desistem facilmente de lutar em navegar em novos mares, se acostumaram com aquilo que a vida já lhe deu e se bastam com isso. A vida é feita de degraus e tem muita gente que sobe até o segundo por medo de altura. Eu quero é subir e não ter medo, mesmo sabendo dos riscos das alturas e se cair, ou pisar de mal jeito em algum degrau e me esburrachar no chão, e diante das gargalhadas de muitos, a única coisa que posso fazer é me juntar a eles. Esquisito? Não, vou explicar: enquanto eles sorriem de mim, eu dou risada deles porque enquanto eu subia e tentava, eles permaneceram no chão, apenas me observando subir as escadas. As conquistas da nossa vida é feita de muito esforço, não é porque eu não consegui da primeira vez que isso signifique que nunca conseguirei. Enquano os outros sorriem, eu me esforço e em cada esforço, um aprendizado.
A gente não deve aceitar isso, pois significa concordar em ser menos do que pode ser. Acredito que todo dia é dia de evolução e aprendizado, estamos inseridos em uma sociedade aprendente, cujo lema é aprender a aprender sempre.
Quando um viajante se preocupa em navegar o melhor que pode todo dia, pode ter um compromisso consigo próprio de ser melhor todo dia. O que eu hoje ofereço a Deus, foi o melhor do que eu poderia oferecer a ele hoje , e ele sabe disso, mas se muitos insistem em afirmar que eu poderia ter oferecido mais de mim, não foi por motivo de um maior esforço e sim de claresa frente aos meus limites.
Quero terminar com uma epígrafe de um psicanalista, o Erich Fromm: "A maior missão do homem é dar à luz a si mesmo, é tornar-se aquilo que ele é potencialmente". Parafraseando Nietzsche quando o mesmo afirmava: "Torna-te aquilo que tu és!"
Com carinho,
Luciano Medrado.
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ResponderExcluirMuito real e lindo o contexto do seu texto, vivemos mesmo num grande mar, cheio de tormentas, e quantas vezes desistimos de tentar pelo medo de não dar certo... é o medo do sofrimento que freia a nossa vida. Busquemos a libertação da inércia da nossa vida... a não ser que a gente ache q ela vale a pena... aí já é outra história. Mas, creio que quase sempre, é preciso mutar...
ResponderExcluirTermino com as belas palavras de Pe. Fábio na música "Se permites":
"...Se procurares bem saberás que tem na fraqueza tua força / E o que te faz cair pode se tornar um impulso pra vitória... O defeito é o anúncio da virtude que há de vir / Quanto mais fores humano, tanto mais serás divino / Não se toca o céu, se não tens os pés no chão..."
Bjos na alma!!!
Querido lu fiquei simplesmente estasiada com tal beleza e clareza deste texto, este nos induz a questionar nossos passos e atitudes diante das intemperies da vida. Realmente nossa vida nao é lá assim tao fácil de se levar, mas acredito que muitas vezes nós mesmos colocamos obstaculos por medo de assumir posiçoes e de cair diante das escolhas mal feitas. Bom o que posso dizer é que rogo a Deus para que lhe conceda sempre mais esta sabedoria e ousadia de nao se intimidar em realmente ser sem medo de errar, de sua amiga de hj e sempre Enilza.
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