RETALHOS DE VIDA


Quando estava pensando o que escrever, veio logo em minha mente a imagem de uma colcha de retalhos. Portanto logo pensei que o título deste pequeno esboço da minha vida se chamaria: Retalhos de vida.
Você já viu uma colcha de retalhos? Quando eu tive a oportunidade de presenciar uma, logo a rotulei como algo feio e desengonçado. Mas ela revela traços que bem podemos aplicar na nossa vida. A vida é bem parecida com uma colcha de retalhos. Cada acontecimento é tecido por inúmeras situações fazendo uma longa trama, uma grande colcha de retalhos e cada retalho é um recorte de vida. A vida é feita de recortes, cada um de uma cor e texturas diferentes. Assim é a vida.
Não conheço maravilha maior do que o milagre da vida. Viver, simplesmente viver, já é bom demais e viver bem, então, é uma graça sem tamanho.
Eu percebo a vida como um mistério, como uma terra desconhecida que se oferece a cada um de nós como aventura e desafio. Viver é ser desafiado a todo instante, e como são necessários esses desafios para crescermos. Eles nos colocam na vida de uma forma mais responsável.
Acredito piamente que cada dia traz consigo as suas surpresas, carregadas de tantas possibilidades. As opções podem ser muitas, cabe escolhermos uma dentre tantas que nos são oferecidas. Logo quando decidir-me a fazer uma experiência diferente de vida, quando recebi de Deus um chamado especial para dedicar toda a minha vida no exercício do bem na pessoa do pobre como um consagrado, trouxe gravado a fogo no meu coração a certeza de que “a vida faz cada um experimentar as conseqüências da própria escolha”. Cada acontecimento sendo ele bom ou ruim trás as conseqüências das opções feitas. Isto é um fato!
No meu período escolar não sabia muito bem o que queria da vida, não pensava muito no que escolheria para dedicar toda a minha vida. Na minha história fui percebendo a iniciativa de Deus chamando-me para o serviço consagrado. Logo atendi a sua voz e aos dezessete anos de idade entrei para um convento de religiosos em Vitória da Conquista no ano de 1998. Eu era fascinado pela vida de São Francisco de Assis e então decidi que seria franciscano. Percebi então que o homem é fundamentalmente um ser em busca de um significado. Se existe alguma coisa que o possa preservar, mesmo nas mais extremas situações, é a consciência de que a vida tem um sentido, não obstante nem sempre imediato. Eu buscava um sentido para minha vida, e este sentido, descobri sendo consagrado. Mas não deu certo permaneci na instituição por 1 ano 6 meses apenas.
Como a vida é um jogo que está sempre (re)começando, não desisti fácil dos meus objetivos, acredito que tenho uma certa teimosia que para mim é mais perseverança do teimosia. O que fiz? No ano de 2000 fui para Minas Gerais tentar mais uma vez a vida consagrada. Nas terras mineiras que tanto amo, tornei-me “baianeiro”, assim me chamavam por lá, uma mistura de baiano com mineiro. Desta terra trago saudade do pão de queijo, dos amigos que fiz por lá e de tantas outras coisas boas que aconteceu. Bom, lá na terrinha mineira fui recebido em uma comunidade de vida consagrada franciscana e teresiana depois de conviver por 6 meses com um sacerdote. E o que aconteceu? Não consegui atender os requisitos da comunidade e fui mandado embora com quase dois anos convivendo nesta realidade.
Voltando a Jequié resolvi retomar a vida. Tentei vestibular e nada; mas na terceira tentativa fui aprovado para o curso de Pedagogia.
Hoje posso responder que o curso está me ajudando a dialogar com o mundo, desenvolvendo em mim uma criticidade frente às imposições deste mundo desafiador.
Hoje faço minhas as palavras do escritor e sociólogo francês (Giddens, 2002): “A [Pedagogia] pode permitir-nos uma auto-conscientização, uma auto-compreensão acerca das razões pelas quais agimos como agimos, e como funciona, de uma forma global, a nossa sociedade”.
Pode-se dizer por isto que a existência humana depende não só da auto-conscientização e da auto-compreensão, mas também da auto-transcendência, a sobrevivência depende de um sentido. E não apenas a sobrevivência dos indivíduos, mas a própria sobrevivência da humanidade.
Lembro-me da profunda experiência de V.Frankl no campo de concentração de Auschwitz onde este psicanalista levou a ter como certo que cada pessoa é um ser único que pode reter uma última reserva de liberdade para tomar uma posição, ao menos, interior, mesmo sob as mais adversas circunstâncias. O próprio Victor Frankl afirmava: "não apenas somos, mas a cada momento devemos decidir o que seremos". Por isso mesmo todo homem tem o poder e a liberdade de elevar-se acima do seu próprio eu e tornar-se um ser humano melhor. Se assim agirmos estamos pensando em um mundo melhor. O mundo só pode ser melhor se existir de fato pessoas melhores.
Será esta concepção sobre nós mesmos e sobre o lugar que ocupamos na vida que nos poderá ajudar a dar-lhe sentido, não obstante as tragédias pelas quais devamos passar. Neste sentido, cada pessoa é um ser único, vivendo através de infinitos momentos únicos e insubstituíveis, cada um deles oferecendo um significado em potencial, isto é, aberto também para o futuro. O que foi não é e o que é rapidamente nos escapa. Assim é a vida, ela é efêmera demais. Se reconhecermos este potencial e formos capazes de corresponder a eles, nossa vida terá um sentido e a conduziremos de forma responsável. Podemos não só decidir sobre que espécie de pessoas somos, mas que espécie de pessoa poderemos vir a ser.
Adequada é a sentença de Nietzsche que dizia: “Aquele que possui um “porque” pelo qual viver, poderá suportar qualquer “como” deve viver’”. O homem precisa de verdadeiros objetivos para perseverar na conquista dos seus ideais. Se não os tiver, todos os caminhos o levarão a lugar nenhum. Dom Hélder Câmara dizia que nós devemos ir até o fim dos nossos propósitos. Nunca parar, não desistir nunca, mesmo cansado, chegar até o fim.
Por fim, não consegui tecer a colcha toda. Aqui estão alguns pequenos retalhos. Sei que falta muito para ela ficar toda pronta, mas não seria possível tecê-la todinha nestas poucas "linhas".
Com carinho,

Luciano Medrado.

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