
A dor na vida de uma pessoa é inevitável. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos, o valor que damos a ela e o sentido que precisamos destilar para compreendê-la não como castido, mas como uma oportunidade fecunda de reavaliar a vida. Precisamos estabelecer um parâmetro pelo qual, ela [a dor] seja para nós, ainda que meio embaraçoso para a nossa compreenção, um estímulo e fortaleza em nossas buscas atuais. Não somos de desistir facilmente. O ser humano tem a força e a vitalidade que lhe é própria e não pode se acovardar diante dos enfrentamentos e intimidações provenientes de uma situação dolorosa seja ela qual for. Eu vou, não sei não ir, vou sempre.
Quanto mais eu me aproximo das pessoas ou poderia dizer também de mim mesmo por meio da compaixão, tanto mais se evidencia para mim que todos nós padecemos dos mesmos sofrimentos em nossa alma, dos padrões de perfeccionismo, de obrigação, de ter que nos provar e comprovar-nos com os outros, e isso tudo acaba gerando sofrimento por falta da descoberta da identidade interior. Quem é que afirmou categoricamente que eu tenho que imprimir em mim modelos e atitudes de terceiros que não me convencem apenas com os seus argumentos? Quando eu julgo alguém, o julgamento que faço sempre parte do julgamento a partir de conceitos estabelecidos e recalcados em mim. O não julgar é fruto do encontro consigo mesmo. Pois é assim que eu compreendo, quem se encontra consigo mesmo sabe de todas as suas falhas e conhece seu lado que permanece na sombra. Ele sabe que está carregando em si mesmo aquilo que ele julga nos outros. O julgamento dos outros nos torna cegos para as nossas próprias falhas. Cada pessoa é única e Deus nada repete na criação humana, sendo assim, posso compreender, que cada um de nós trazemos as nossas histórias, tecidas pelas mais diversas experiências. Mas por que insistimos em nos comparar com os demais, os ditos já santos?
Muitas vezes temos medo de olhar para dentro do nosso próprio coração, pois aí podemos encontrar toda a escuridão e repressão, diante das quais muitas vezes, preferimos fechar os nossos olhos, e cobrir, com um véu a nossa verdade. Por termos medo de descer, rebaixar, inclinar em nossa verdade mais profunda para nos conhecermos melhor e assim encontrar nos meandros da alma os lugares que jamais conseguiríamos visitar sozinhos, mas com a ajuda de Deus, podemos perrcorrer esses caminhos escuros com confiança, porque aí então que nós entendemos, quanto mais nós permitimos que Deus se aproxime de nós, Ele permite que a sua luz clareie a nossa realidade mais abissal para reconheçermos o que estava escondido em nossa sombra, para que assim, Ele e nós possamos trabalhar no desejo de iluminar o ambiente escuro da alma. Se não tivermos a compreeção de tal processo, sofremos!
Estou lendo pela segunda vez o livro " O Céu Começa em Você" de Anselm Grün (monge Beneditino), a primeira vez que tive ele em mãos, foi quando morava em uma Comunidade de Vida Consagrada como celibatário e este livro era um dos títulos indicados pelo fundador da Comunidade para nossa formação pessoal, com a leitura do mesmo aprendi a ser cotidianamente convidado, a olhar, sem medo, todos os abismos de minha alma, porque como ele [ o Anselm Grün]e a sabedoria dos Padre do Deserto: também na maior escuridão brilha a luz de Cristo.
Segundo (GRÜN, 1998) "A espiritualidade que a teologia moralizante da modernidade tem transmitido parte de cima. Ela nos apresenta grandes ideais que devemos alcançar. Semelhante ideal consiste na abnegação, no autodomínio, na amabilidade constante e no domínio da sexualidade. A espiritualidade a partir de cima possui certamente uma importância positiva, impelindo-nos a crescer a partir de nós mesmos esforçando-nos em alcançar nossos objetivos. Todavia, não raro ela também nos leva a saltar por cima da nossa própria realidade. Nós nos identificamos de tal modo com os ideais, que acabamos recalcando nossas próprias fraquezas e limites pelo fato de eles não corresponderem ao ideal. Isso conduz certamente a uma divisão, mas é justamente esta divisão que nos torna doentes, evidenciando a discrepância entre o ideal e a realidade, gerando grande sofrimento na alma".
Por meio da leitura deste livro pude perceber que os Padres do Deserto nos ensinam uma espiritualidade a partir da base. Eles afirmam que cada um de de nós deve principiar o caminho que conduz a uma perfeita espiritualidade que nos liberta e não nos aprisiona em nossos recalques e medos, partindo do conhecimento de nós e de nossas paixões. Eles também afirmam que quando não coseguimos corresponder aos ideais espirituais nos tornamos pessoas piedosas ou diria "piegas" que se econdem de sua própria realidade, refugiando-se em suas devoções e piedades mas não se deixam transformar por elas.
Então, quando você sofrer, a única coisa que você deve fazer é aumentar a percepção das coisas boas que você tem na vida. Dialogar com ele [o sofrimento] e perceber quais os ensinamentos que você pode adiquirir por meio deste sofrimento que te visita hoje. Tudo na vida é aprendizado, pena que são poucas as pessoas que atingem este estágio de maturidade humana. Hoje, sabendo que o sofrer é uma antecipação da dor que nem sempre viveremos, que a aflição é desencadeada de algo que inflinge a partir de dentro, vou procurar conquistar aquilo que realmente me cabe, e se a dor me visitar, vai me encontrar mais forte, porque tenho a exata medida de tudo o que já passei. Não posso ser, sem esquecer do que fui, o passado conta muito, não para nos colocar cativos a ele, mas para fazer dele o parâmetro de novas conquistas. Eu não sou sem deixar ou esquecer quem fui. Deus toma a minha história na mão a partir do contexto que eu a entrego a Ele, não desprezando nada do que ficou para trás. É olhando para trás, que resignificamos o nosso presente. Se o sofrimento veio e com ele a dor que dilacera a nossa alma temos que entender que esta realidade não é desejada por Deus mas se ele permitiu, somente Ele sabe o que quer fazer conosco com tal permissão. Então Ele se aproveita da dor e do sofrimento para estar mais próximos dos seus sem que disso nos apercebamos, nos levando ao deserto como nos conta o livro de Oséias para falar a nós a partir do coração. Toda crise é fecunda, e espero que você não se assuste com esta afirmação. Quando digo que ela é fecunda, porque analizando a etimologia da palavra crise, encontro crisol, elemento químico que purifica o ouro de suas gangas. Então é necessário se deixar acrisolar, compreendendo e não negando a dor, mas trabalhar com ela para sermos recontruídos como seres humanos melhores e purificados. Termino com uma reflexão de Viktor Frankl, que acabei de receber pelo Orkut e que se encaixa bem no que estamos refletindo.
"Quando eu vivia num dos campos de concentração da Alemanha nazista, pude observar que alguns dos prisioneiros andavam de barraca em barraca, consolando outros, distribuindo suas últimas fatias de pão. Podem ter sido poucos, mas me ensinaram uma lição que jamais esqueci: tudo pode ser tirado de um homem, menos a última de suas liberdades – escolher de que maneira vai agir diante das circunstâncias do seu destino".
Com carinho,
Luciano Medrado.
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